ESPAÇO RIBAS NINJA: Educação Libertadora
PASSEIOS SUBVERSIVOS
María del Pilar Tobar Acosta
Subverter, conforme consta
nos dicionários online, significa verter por baixo, fazer uma estrutura
ruir de baixo para cima.
Foto: Sebastião Salgado |
Pois bem, nesse período de
final de ano, jovens que vivem em periferias, escolheram empenhar seus recursos
em passeios aos shoppings mais badalados de SP.
Ao subverter uma regra de apartheid
social ou, como cunhado por Cristovam Buarque, apartaçãosocial, que delimita
espaços físicos "diferenciados" para pessoas "diferenciadas",
aí, a força repressora vem com tudo: desde baculejo, humilhações
diversas, até a detenção de pessoas sem justificativa legal alguma.
(Só lembrando que diferente
é uma coisa que, por natureza, tem aspectos distintos, diferenciado é aquilo
que foi feito para ser diferente, que sofreu a ação humana),
Pois bem, essa notícia
consta nos mais diversos sites e blogs, para citar alguns: Leonardo Sakamoto, Eliane Brum e
Mariafro.
Ambos autor e autora
constróem uma excelente reflexão sobre os motivos e finda com brilhantes
críticas ao estado de coisas.
Mas, eu gostaria de
questionar, para além do que observam: Será que essa repressão poderá gerar uma
efetiva tomada de consciência?
Quando se fala de ascensão
social por meio do aumento do potencial de consumo (ou endividamento),
questionamos não haver base para uma verdadeira mudança do quadro social.
Jovens que procuram os
templos de consumo para entrar no mundo dos privilegiados, e que, em princípio,
poderiam fazê-lo porque agora têm acesso a recursos materiais, são duramente
reprimidos e alienados da possibilidade de ocupar um espaço
"público", ou destinado a um público específico (branco, de classe
média alta, que vive nos bairros mais caros, estuda nas escolas mais badaladas,
etc.).
Engraçado que esse mesmo
público específico, quando resolve ir para Miami, Nova Iorque ou Paris para
fazer compras (e adentrar nos templos de consumo [de verdade!]) também são
reprimidos e têm seus direitos cerceados. E o pior, voltam dizendo que a culpa
é dos/as próprios/as Brasileiros/as que não sabem se comportar. (veja esse texto).
Efetivamente, são verdadeiras
"abominações cognitivas" (como bem observado por Chauí): os membros dessa classe medi(ocre) que exclui
e que, ao ser excluída, diz: tenho vergonha de ser brasileiro/a. Essa saída
evidencia muito sobre quem são, como pensam e sentem...
Sentem vergonha de serem
quem são? Ou sentem vergonha de serem associados (pela cor da pele, pela
língua, pela cultura) ao "país subdesenvolvido"que é o Brasil?
Por que, afinal de contas, não são brasileiros/as, certo? Não se
identificam com a cultura, com as músicas (no máximo bossa nova, que obviamente
tenta ser jazz), não falam a mesma língua (afinal, a cada três palavras, sentem
a necessidade de usar o léxico do inglês: "what ever", "anyways",
"hard core", "trash", "yes", etc.), não circulam
nos espaços comuns (afinal só tem gente feia, é tudo feio, que o diga o Ed
Mota), e por aí vai...
E o mais absurdo é que
mesmo tendo dinheiro, podendo viajar (pagando preços exorbitantes pelo direito
de ir e vir, motivados, centralmente, pelo sanguinário desejo de lucro de
nossos/as empresários/as), não podem se igualar aos modelos que têm:
estadunidenses (que chamam de americanos) e europeus. E se revoltam com isso...
mas a revolta não leva à uma reflexão subversiva, ao contrário, leva a dizerem
que sentem vergonha de terem qualquer coisa a ver com o Brasil.
E agora os meninos
e meninas do rolezinho?
Corta para o Brasil.
Será que os meninos e
meninas dos rolezinhos vão se sentir envergonhados/as por serem da perifa, gostarem
de funk, curtirem roupas coloridas?
Ou será que serão capazes
de ver além? De ver que sofrem não por serem quem são, mas por ousarem
transgredir as regras da apartação social? Por ousarem querer mais?
Pela minha experiência com
ambos os universos, quem vive a realidade da discriminação aprende com a luta a
não aceitar esse tipo de barbárie calado/a. E foi o que os/as meninos/as
fizeram, munidos/as de seus celulares e sabendo usar as redes sociais
divulgaram, como fontes primárias, a informação, a notícia da violência que
sofreram.
Mas as forças de repressão
são maiores, elas podem roubar o trabalho dos/as meninos/as se eles/as
insistirem em passear onde não "devem", pois se forem presos/as,
mesmo sem justa causa, são demitidos. E, pelo medo, são amordaçados/as, tendo
em vista o cancelamento de alguns dos rolezinhos programados para janeiro.
A tomada de
consciência e a ação consciente
Nesse sentido, para
subverter (derrubar por baixo) a estrutura repressora/elitista/violenta
brasileira (e falo não só como professora, como estudante, mas como pessoa
oriunda de uma realidade brutal), é necessário construir o conhecimento capaz
de derrubar os achismos e as "verdades" que fizeram a realidade ser
como é.
E a construção do
conhecimento, do saber libertador, só será possível por meio da educação.
E educação não é o sistema
de reprodução que temos, de crianças enfileiradas, de pessoas sendo tratadas
como papéis em branco em que os/as dententores/as do saber vão escrever suas
"verdades".
A educação de que falo é a
que garante que o/a aprendiz possa, por si, construir novos caminhos,
compreender seus direitos, seus deveres, aprender qual é o jogo político e
quais são as brechas para a ação que existem, é a educação libertadora de
Freire, é a educação para a liberdade.
SOBRE
A AUTORA
Professora de Educação Básica, atua junto a
turmas do Ensino Médio na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal
(SEEDF). Orientadora de professores/as em formação pelo projeto PIBID/UnB-LIP.
Professora orientadora de Monografias de Conclusão de Pós-graduação Lato Sensu,
pelo UniCEUB. Doutoranda em Linguística do Programa de Pós-Graduação da
Universidade de Brasília (PPGL – UnB). Atualmente, estou desenvolvendo uma
investigação de doutorado em Análise de Discurso Crítica sobre a construção
discursiva da violência contra grupos sociais em textos veiculados em ambientes
virtuais. Mestra em Linguística Programa de Pós-Graduação da Universidade de
Brasília (PPGL – UnB). Licenciada e Bacharela em Letras Português pela
Universidade de Brasília (UnB).
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