Espaço Ribas Ninja: Ensino de Língua Portuguesa

BREVES NOTAS SOBRE A LÍNGUA PORTUGUESA, A MÍDIA E A GRAMÁTICA
Agnaldo Almeida de Jesus

No decorrer da graduação e do mestrado, em andamento, buscamos averiguar a construção de imagens do ensino de língua portuguesa elaborada pela comunidade escolar (discentes, docentes, equipe gestora e pais) e pela mídia. No presente texto, especificamente, temos como objetivo promover algumas reflexões sobre o ensino de língua materna e/ou gramática promovido pela instância midiática. Para tanto, nos respaldamos nas teorias da Análise do discurso de linha francesa, a qual considera a língua enquanto um objeto determinado por sua exterioridade, ou seja, pelas condições de produção sócio-histórico-ideológicas. Então, os sentidos e os sujeitos são construídos historicamente e os discursos distribuídos hierarquicamente, sendo a mídia, assim como a escola, uma das instituições que constrói e perpassa aos seus interlocutores um ideal sobre o ensino de língua materna.
Nessa perspectiva, ao longo de nossos estudos pudemos constatar que o ensino de língua portuguesa é essencialmente pautado no estudo da gramática normativa. Esta, em sua essência, busca estabelecer as formas do bem falar e escrever, ou seja, ela tem como objetivo central definir o que é “certo” e “errado” em relação aos usos linguísticos, tendo a língua padrão como única referência. Logo, as formas linguísticas que não condizem ao que é prescrito por tal manual são consideradas lugares de erros, apagando, então, a possibilidade de uso de todas e quaisquer variantes. Como se estas não tivessem, também, regularidades que lhes são próprias.
Na mídia, há um embate entre dois discursos oriundos de formações discursivas distintas, as quais, segundo Foucault, determinam o que pode e deve ser dito numa dada conjuntura sócio-histórica. Tais discursos possuem, de forma geral, os gramáticos, de um lado, e os linguistas, do outro. O discurso gramatical está ligado à ideologia dominante, enquanto o dos linguistas encontra-se em confronto, demonstrando que existem outras formas de vislumbrar o mesmo objeto: o ensino de língua materna. Assim, não tomamos a noção de ideologia como uma ocultação da realidade, e sim a naturalização dos fatos, das coisas. É ideologicamente (naturalmente) perpassado que temos que aprender a dominar todas as regras da gramática normativa para falar e escrever bem e de forma correta, a fim de alcançarmos sucesso pessoal, profissional etc.
A título de exemplo do discurso puramente gramatical presente e sustentado pela mídia, podemos citar os diversos blogs de dicas pautadas no uso “correto” da língua, como o Dicas de Português, de Sérgio Nogueira; e os programas televisivos: Soletrando, apresentado por Luciano Huck, e o professor Sérgio Nogueira, e o Nossa língua portuguesa, do professor Pasquale Cipro Neto. Na contramão das ideias dominantes e gramatiqueiras, temos os blogs: Blog do Sírio e Preconceito linguístico, dos renomados linguistas Sírio Possenti e Marcos Bagno, respectivamente. Podemos verificar que o discurso defendido pelos gramáticos é preponderante, visto que é marcante a presença desses sujeitos nos programas quando são discutidas questões sobre a língua portuguesa. Raramente, com bem pontua Possenti em seus estudos, são convidados linguistas.
Ao contrário do que afirmam muitos gramáticos e jornalistas, os linguistas não defendem a abolição do ensino da gramática (da língua padrão), mas que ele seja promovido de forma em que os alunos/telespectadores não se sintam silenciados por não trazer de casa a variante padrão, isto é, por não dominarem todas as normas prescritas pela gramática. É competência da escola ensinar a norma padrão, sim, porém nós, professores de língua portuguesa, devemos mostrar que há diversas formas de utilizar a língua, dependendo do grau de formalidade da ocasião, dos sujeitos evolvidos, dentre outros aspectos.
Portanto, ainda hoje o ensino de língua portuguesa é confundido com o ensino da gramática normativa, a qual estabelece e prescreve o “certo” e o “errado” em relação à língua. Nesse contexto, a mídia emerge como uma das instituições que reproduz tal discurso ao sustentar um ideal de pureza linguista, gerando um desnivelamento entre aqueles que dominam ou não o idioma. Como enfatizamos acima, os discursos são distribuídos hierarquicamente e, consequentemente, as posições sociais. Então, aqueles que não conseguem fazer um “bom” uso da língua portuguesa são considerados sujeitos menos aptos para exercer funções sociais mais relevantes. Basta observamos os debates e as críticas ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, considerado analfabeto, quando foi nomeado a tal cargo. Porém, a mídia e a escola devem trilhar um caminho que concilie o ensino da língua portuguesa, em que a gramática é apenas um componente e não o centro, ao contexto social dos alunos. Estas instituições devem fazer com que os estudantes sejam capazes de utilizar as diversas formas linguísticas e deixem de ser submissos à própria língua, pois é a inscrição nela que os transformam em sujeitos do discurso.

SOBRE O AUTOR
Mestrando em Letras pela Universidade Federal de Sergipe e graduado em Letras - Português (UFS/2011). Pesquisador/membro da Associação latino-americana de estudo do discurso - ALED e do Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo, além de atuar no grupo de pesquisa Linguagem, Enunciação e Discurso para o Ensino da língua Portuguesa - LED. Possui interesse em estudos centrados na Análise do discurso, principalmente no que diz respeito ao ensino de Língua Portuguesa, constituição de subjetividades na/pela mídia, relações de poder, ethos e fórmulas discursivas.

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